terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Livro da Bruxa - 11º Capítulo

Demorou mas esta aqui o próximo capítulo do livro! Peço desculpa pela demora para publicá-la, mas realmente não tive a oportunidade de fazer isso antes, devido a compromissos que me deixaram ausente da internet, mas estou de volta!
Um beijo,
Luciana Vieira.

Brincadeiras

Caminhamos pela praia cerca de meia hora. Durante todo o tempo, ela permaneceu em silêncio, imersa em seus pensamentos. Aproveitei para sentir o calor do sol, observar as pessoas e relaxar, coisas que não fazia
havia vários anos. De repente, dei-me conta de que estávamos chegando na ponta da praia. Olhei para trás e percebi o quanto havíamos caminhado.
Pouco depois, ela parou e sentou-se na grama, à sombra de uma árvore. Procurei por algum formigueiro oculto e, nada encontrando, sentei-me ao seu lado para descansar.
- Veja aquelas crianças - indicou, chamando minha atenção.
Um menino e uma menina, ambos com cerca de quatro anos, faziam castelos de areia. Baldes e pás de plástico colorido eram suas ferramentas.
Fiquei acompanhando o trabalho delas durante algum tempo.
- Você já notou como estão concentradas no que fazem? - perguntou.
De fato, ambas estavam completamente entretidas em suas atividades.
- Quando eu tinha essa idade e estava brincando, esquecia-me até de comer - comentei.
- E qual foi a última vez que você fez algo que o manteve tão concentrado e lhe deu tanto prazer?
- Quando? A ponto de esquecer de comer? Para ser sincero, não sei.
-Acho que só mesmo quando era criança - respondi.
Ela ajeitou-se melhor.
- É curioso dizermos que uma pessoa está brincando quando não está levando seu trabalho a sério. Deveria ser o contrário. Não existe ninguém mais sério do que uma criança brincando. Já pensou como o mundo
seria maravilhoso se os adultos se dedicassem ao trabalho com o mesmo prazer e concentração das crianças? - comentou.
- Só poucos têm esta sorte. A maioria considera o trabalho um castigo - observei.
- É também uma questão de ser capaz de ver as coisas por uma perspectiva diferente. Existe uma antiga história que ilustra bem este ponto.
Quer ouvi-la? - perguntou.
- Claro que sim.
- Conta-se que na Idade Média três homens trabalhavam numa pedreira. Tinham a mesma atividade. A diferença é que um estava sempre resmungando, o segundo fazia seu trabalho com total indiferença, e o terceiro era alegre e bem disposto. Certa vez foram perguntados sobre o trabalho que faziam.
- Eu quebro pedras - resmungou o primeiro.
- Faço blocos para poder sustentar minha família - disse o segundo, sem entusiasmo.
- Eu trabalho na construção de castelos e catedrais - disse o terceiro, orgulhoso e feliz.
Encolhi minhas pernas e me inclinei, abraçando meus joelhos.
- Já conhecia essa história, mas não me lembro de onde - comentei.
- Eu também não me lembro de quando a ouvi pela primeira vez, mas ela é bem adequada para mostrar diferentes perspectivas em relação ao trabalho.
- O difícil é chegar ao nível de achá-lo divertido, como as brincadeiras da infância - desabafei.
- Ser criança é ver o mundo em toda sua exuberância. É mergulhar nele com toda intensidade. Tudo é sempre novo e maravilhoso. As crianças possuem uma energia inesgotável e não conhecem bloqueios... Lembra-se dos seus primeiros anos na escola, quando a professora pedia um desenho qualquer? Não havia problema. Você pegava sua caixa de lápis de cor, e em poucos minutos lá estava sua obra de arte. Ou quando ela pedia uma redação? Era só pegar a caneta, e logo seu texto já estava no papel. Declamar, dançar, representar, cantar... Quando somos crianças, sabemos e podemos tudo - argumentou.
Pegou pela haste uma folha que estava caída no chão e girou-a entre os dedos, como se fosse um brinquedo.
- Você já viu crianças de diferentes nacionalidades quando se encontram?
A língua não é barreira para elas. Quanto menores forem, mais rápido começam a brincar juntas. Elas conhecem a linguagem universal. Continuou brincando com a folhinha enquanto falava.
- Quando crescemos, o mundo complica-se demais. As divertidas brincadeiras transformam-se nos sofridos empregos, e as grandes amizades da infância são substituídas pelos relacionamentos superficiais. Já não sabemos mais desenhar nem escrever. Cantar? Temos vergonha. Declamar uma poesia? Nem pensar. Para dançar, precisamos entrar numa escola. Representar passa a ser coisa de profissionais. E o pior: os adultos estão sempre cansados... inclusive nas férias.
- Existe alguma solução? - perguntei.
- Basta manter a perspectiva da criança sempre viva. Não ter medo de tentar. Não deixar que a palavra ‘adulto’ signifique ‘adulterado’, para indicar uma criança estragada, falsificada.
- Fugir do hospital para passear na praia é uma excelente travessura, não é? - provoquei-a.
- É um bom começo. Devemos construir castelos de areia também - sugeriu, olhando as crianças.
- Boa idéia. Mas só mais tarde, quando o sol não estiver tão forte. Se formos agora, ficaremos muito queimados, e nossos pais não nos deixarão brincar juntos por um bom tempo - adverti.
- Você está se mostrando uma criança bem responsável, sabia?
- É porque sou mais velho do que você - brinquei.
- Tem razão... então vou obedecê-lo - disse, abrindo um largo sorriso de cumplicidade.

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