segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O Livro da Bruxa - 20° Capítulo

Recomeçando

Voltei sozinho para casa, sentindo uma sensação de irrealidade.
Na manhã seguinte, retornei ao hospital sem acreditar que tudo havia realmente acontecido. Pensei que seria interrogado sobre o desaparecimento da paciente com pneumonia, mas passei toda a manhã no ambulatório
e ninguém me procurou para falar sobre o assunto.
À tarde, realizei minha visita rotineira à enfermaria e descobri que um novo paciente ocupava o leito em que antes estava a bruxa. A enfermeira que nos viu sair na manhã anterior estava de serviço e nada me perguntou.
Comecei a achar que tudo tinha sido produto de minha imaginação.
Já ouvira sobre casos bastante estranhos da psiquiatria. Será que algo do tipo estava acontecendo comigo? Fiquei com medo de perguntar à enfermeira e descobrir que nenhuma senhora idosa tinha estado internada naquele leito nos últimos dias.
Após terminar a visita, voltei para casa e joguei-me na cama. Não tinha apetite para jantar e lembrei-me de que também não havia almoçado.
Fiquei deitado um longo tempo, sem me mover, esperando algo acontecer. Talvez acordar de um sonho ou descobrir o grau de meu distúrbio mental. Pensei em checar o carro para saber se tinha dirigido até o litoral no dia anterior, mas logo desisti da idéia, pois havia muito tempo não fazia o controle da quilometragem.
Talvez voltar ao restaurante em que almoçamos e perguntar se havíamos estado lá, mas também desisti da idéia. Imaginei que o restaurante poderia nem mesmo existir. E, se isso acontecesse, seria obrigado a procurar um psiquiatra e pedir para providenciar minha internação imediata.
Nem o canhoto de meu talão de cheques seria capaz de me ajudar, pois lembrei-me de que tinha pago em dinheiro as despesas de nossa viagem real ou imaginária.
Olhando para o teto do quarto, admiti que toda a história com a bruxa parecia fantástica demais para ser real. Ela tinha razão. Ninguém acreditaria se eu contasse sobre a viagem. Para ser sincero, eu mesmo já estava em dúvida.
Não sei durante quantas horas permaneci nesse limbo, mas aos poucos as preocupações da rotina começaram a me trazer de volta à realidade.
Senti fome e levantei-me para procurar algo na cozinha. Vasculhei a geladeira e concluí que a hora de fazer compras já havia passado fazia vários
dias. De fato, meu apartamento estava uma bagunça. Além de não ter nada para comer, havia uma montanha de roupas esperando a vez para entrar na máquina de lavar.
Mecanicamente, comecei a dar um jeito nas coisas. Peguei a primeira camisa da pilha de roupas sujas, verifiquei se o bolso estava vazio e virei-a pelo avesso antes de colocá-la na máquina. Esse truque de virar as roupas eu tinha aprendido com minha antiga namorada. Ele é útil porque evita sujar a roupa lavada ao retirá-la da máquina ou quando ela está secando.
Continuei meu trabalho de lavanderia durante algum tempo, separando as roupas brancas das coloridas e colocando-as na máquina. Foi ao checar os bolsos da calça que eu tinha usado no dia anterior que senti um
pequeno objeto. Um arrepio percorreu minha espinha, e minha respiração estancou. Não pude acreditar.
Segurei o objeto e retirei minha mão fechada com muito cuidado. Fechei os olhos, respirei fundo e abri a mão lentamente. Quando olhei, lá estava o presente que a bruxa havia-me dado, a jóia mais preciosa de toda a minha vida. O pequeno quadrado de metal com suas diagonais era real.
Um sorriso de alívio estampou-se em meu rosto, e soltei o ar dos pulmões em estado de graça.
Devo ter ficado olhando para ele durante muito tempo, pois incontáveis detalhes da viagem passaram pela minha cabeça. Terminei sentindo uma profunda saudade de minha amiga, mas também fiquei feliz, porque sabia que naquele momento ela estava a caminho da Europa.
Larguei as roupas empilhadas sobre a máquina e voltei ao quarto, agarrado ao meu presente. Deitei-me na cama e desfrutei a certeza de que nossa viagem tinha acontecido de fato.
Adormeci feliz e sonhei.

Nenhum comentário: