Artigo da revista PAIS & FILHOS, publicado em março de 2009.
Segundo os espiritualistas, uma nova geração de crianças começou a surgir nas últimas décadas, com a missão de mudar nossos valores. Chamadas de crianças índigo, elas teriam várias características em comum, incluindo uma rebeldia – com causa – nata. Será verdade?
Em 1986, a filósofa e teóloga Nancy Ann Tappe, adepta da metafísica e da cromoterapia, lançou o livro Understanding your life through color (Entenda sua vida por meio da cor). Segundo a teoria apresentada pela pesquisadora, em algumas crianças seria possível identificar uma coloração azul violeta (índigo) na aura, o campo energético ao redor do corpo. Esta cor revelaria um alto grau de consciência espiritual, devido à missão destas pessoas de transformar valores em nossa sociedade. Por este motivo, estas crianças foram chamadas de índigos.
Antes que você pense que isto é papo de maluco, responda sinceramente: você conhece alguma criança que costuma surpreender os outros por seu amadurecimento e fluência verbal, por não aceitar imposições arbitrárias, por desafiar o papel da escola e pela visão espiritualizada da vida? Pois bem: segundo esta teoria, você pode estar diante de um índigo.
Depois de Nancy, vários outros estudiosos e místicos seguiram a onda para entender melhor quem são e como lidar com os índigos, assim como os pesquisadores Lee Carrol e Jan Tober, que lançaram o livro Crianças Índigo, trazido ao Brasil pela Butterfly Editora. Segundo a psicóloga Valdeniza Sire Savino, que em janeiro organizou o 9° Seminário de Educação e Orientação ao Índigo, na livraria Cultura, em São Paulo, há diversos estudos em andamento na Europa e nos Estados Unidos a respeito desta teoria. Para ela, os índigos estão aqui “para nos lembrar daquilo que já sabemos, mas esquecemos”. Em outras palavras, estas crianças possuem outro tipo de comprometimento com a vida: espírito coletivo e integração com a natureza.
Aos seis anos, o estudante Victor Nicolau Sholl, hoje com 15, decidiu virar vegetariano por pena dos animais. Seguiu a dieta durante quatro anos por iniciativa própria, apesar do cardápio variado de sua casa, que incluía carnes. Aos 10, ele decidiu ter uma conversa séria com sua mãe. Achou que precisava “abrir o jogo” em relação ao seu mundo particular, que envolvia um grande amigo imaginário. “Desde pequeno, eu tinha um coelho como amigo imaginário. Um dia, ele me disse que o mundo era comandado por um universo espiritual e que havia uma luta do bem contra o mal. Por este motivo, eu seria um escolhido”, afirma. Ao chegar em casa e ouvir a história, sua mãe levou um susto. “Ele tinha um discurso muito fluente, não era próprio da idade dele”, afirma a bióloga Juliana Freitas Lima, mãe de Victor. “Também me contou que o coelho não era um amigo imaginário, mas sim uma entidade, e que ele tinha a missão de lutar pela preservação do planeta. A conversa inteira foi em tom de revelação espiritual”, lembra Juliana, com olhar intrigado.
Victor nunca mais voltou a falar no assunto. Hoje, afirma que tudo foi fruto de sua própria imaginação e prefere não pensar muito naquele dia. No entanto, pouco depois, uma amiga de Juliana comentou sobre a teoria dos índigos. “Foi então que ouvi falar no assunto e comecei a ler algumas coisas. Acho que há uma identificação com algumas características; ele detesta o modo de ensino convencional, por exemplo. Mas não estou convicta”, diz ela. Victor também desconfia um pouco que seja uma criança índigo. “Tudo o que ouvi falar a respeito possui uma conotação espírita, não gosto disso”, diz Victor. Aliás, apesar da pouca idade, ele já se interessou por várias religiões. “Fiz catecismo, mas não concordei com os textos que li. Deixei de ser cristão com 10 anos, identifiquei-me com o budismo, depois espiritismo, aí virei agnóstico e hoje sou panteísta”, afirma. “Acredito na totalidade das coisas e discordo do modo de vida atual, baseado no dinheiro”.
No geral, Victor possui várias características que o qualificariam como uma criança índigo: é estudioso, autodidata, rebelde, questionador e não gosta de violência. Para o médico Américo Canhoto, homeopata e clínico geral, encontrar crianças e jovens com este perfil é cada vez mais comum. “A maioria é muito articulada”, explica. Por isso, ele se preocupa com o modo com que os pais lidam com os filhos. Segundo o médico, muitos índigos adoecem porque não são compreendidos. “Não podemos esquecer de que são crianças que precisam de orientação. Há pais que abdicam da educação dos filhos para deixá-los com terceiros, ou permitem que o filho desconte suas frustrações na comida, incentivando um regime de confinamento e engorda”, explica.
No entanto, o problema mais grave encontrado entre os índigos, segundo o médico, é o diagnóstico errado por parte dos médicos, visto que muitos sofrem de insônia e agitação. “Vários são tratados como se tivessem TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) e colocados numa camisa de força química, o que pode levar à depressão, em casos extremos”, diz. Segundo os especialistas, os índigos não gostam de se concentrar nas aulas simplesmente porque aprendem rápido, enquanto as crianças com TDAH ou DDA (déficit de atenção) possuem dificuldade de memorização, por isso são dispersas. Esta é a diferença.
Espírita ou espiritualista?
Uma dúvida constante que envolve o tema se refere à origem do termo. Algumas pessoas afirmam que esse conceito veio dos espíritas, outros dizem que não é ligado a nenhuma religião específica, mas sim com a espiritualidade da Nova Era. Américo Canhoto explica que no livro A Gênese, o escritor francês e fundador da doutrina espírita Allan Kardec usou o termo crianças da Nova Geração para designar o que mais tarde seriam conhecidas como crianças índigos. No entanto, os autores que criaram ou se apropriaram do termo índigo recentemente não são necessariamente espíritas, e sim espiritualistas. “De qualquer forma, não gosto da mistificação em torno do assunto. É muito raro encontrar um livro objetivo sobre o assunto”, afirma Canhoto.
Segundo a teoria difundida por aqui, os índigos se dividem em humanistas, conceituais, artistas e interdimensionais. Os humanistas são sociais, altruístas e dispersivos. Os conceituais são pragmáticos, controladores e reservados. Já os artistas são mais sensíveis, criativos e visionários, enquanto os interdimensionais são serenos, ousados e independentes. Contudo, Canhoto prefere não entrar no mérito das classificações. “Há coisas muito mais sérias para estudarmos: como estimular a evolução dessas crianças, por exemplo. Ou como alimentá-las de forma saudável. Tudo isso é mais importante do que saber a qual tipo elas pertencem”, reflete. “Os pais precisam assumir a responsabilidade de transmitir princípios aos filhos e reforçar o senso de justiça das crianças”.
Independentemente de religiões e classificações, é visível que estamos passando por uma transição de valores: nunca se falou tanto em sustentabilidade, por exemplo. É exatamente por este motivo que as crianças ocupam papel primordial na evolução humana: após os erros e fracassos das gerações passadas, é preciso uma nova consciência para caminharmos em direção ao futuro. “O que importa é que essas crianças irão gerar transformação, e para isso elas não possuem medo”, diz Américo. “Suas mentes não são analógicas como as nossas – elas estão preparadas para uma realidade digital, para outros padrões de aprendizado e relações sociais”.
Se você acha que ter um filho índigo em casa basta para ficar sossegado, saiba que a realidade não é bem assim. Embora inteligentes, os índigos precisam de atenção e cuidados como qualquer pessoa. “Todo potencial pode ser preenchido com valores positivos ou negativos”, afirma Canhoto. “Hoje em dia, a educação dentro de casa é baseada em prêmio e castigo. No entanto, como as crianças não sentem medo, esse método não funciona”. Segundo os especialistas, a amizade entre pais e filhos, o respeito às suas escolhas e atividades saudáveis em conjunto são algumas opções para manter o convívio em paz e contribuir para o crescimento geral.
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