Bananas
Chegamos à praia e percorremos sem pressa a avenida em frente ao mar.
Depois de meia hora passeando sem destino, encontrei um bom lugar para estacionar o carro. Descemos e nos sentamos num banco sob uma árvore.
- Você já pensou como são simples as coisas de que precisamos para sermos felizes? - ela perguntou.
- Na minha opinião, o ser humano é uma espécie eternamente insatisfeita. Nunca seremos felizes. Sempre haverá algo a ser conquistado, e nossa felicidade sempre dependerá disso - respondi.
Ela apoiou o pé num montinho de areia.
- Sofremos porque estamos caminhando no sentido oposto ao natural. Desejamos coisas cada vez mais complexas e não percebemos que os momentos felizes são feitos de ingredientes simples. Olhar o mar, conversar com um amigo, assistir ao nascer e ao pôr-do-sol, fazer outra pessoa sorrir, ouvir o canto dos pássaros, andar na chuva... - suspirou.
Era um prazer ouvi-Ia. Permaneci em silêncio, feliz, sentindo a brisa do mar.
- Sabe qual é nosso maior engano? - perguntou, após alguns instantes.
- Não - respondi, saindo do transe.
- Levamos a vida como quem vai ficar aqui para sempre.
- E como deveríamos levar a vida? - perguntei.
- Como turistas.
- Turistas? - repeti.
- Quando viajamos, fazemos tudo para nossa viagem ser agradável, não é? Passeamos pelos locais mais bonitos, experimentamos as novidades e carregamos apenas o essencial. Sabe por quê? Porque sabemos que estamos apenas de passagem. Que cedo ou tarde iremos embora.
- Você acredita que podemos adotar essa mesma atitude em nosso dia-a-dia? - perguntei.
- É a única atitude racional. Ninguém ficará para sempre aqui. Estamos apenas visitando este planeta.
- É difícil conviver com a idéia de que um dia iremos morrer - retruquei.
- Acho que viver como se fossemos eternos é um tipo de fuga da realidade. Acumulamos coisas e fazemos projetos a longo prazo para ter a sensação de que não precisaremos partir nunca. Somos como uma aranha
construindo uma teia imaginária.
O problema é que estes fios imaginários nos imobilizam de verdade. Quanto mais nos agarramos, menos conseguimos usufruir de nossas vidas.
- Não é tão fácil assim ser um turista. As convenções sociais impedem...Ela não me deixou continuar.
- Lembra-se de seu artigo sobre o macaco e a banana - comentou.
Pensei um pouco e comecei a rir. Ela havia me flagrado tentando defender um ponto de vista totalmente oposto a um artigo que eu mesmo escrevera.
A seguir, uma cópia do artigo:
Por favor, largue essa banana!
Uma antiga tribo africana utiliza um método bastante curiosopara capturar os espertos macacos que vivem nos galhos mais altos das árvores. O sistema é o seguinte: os nativos pegam um recipiente de boca estreita, colocam uma banana dentro, amarram-no ao tronco de uma árvore e afastam-se. Quando eles saem, um macaco curioso desce, olha dentro da cabaça e vê a banana. Enfia sua mão e apanha a fruta, mas como a boca do recipiente é muito estreita ele não consegue tirar a banana. Surge o dilema; se largar a banana, sua mão sai, e ele pode ir embora livremente; caso contrário, continua preso na armadilha.
Após algum tempo, os nativos voltam e capturam sem dificuldade os macacos teimosos que se recusaram a largar as bananas. O final é trágico, pois eles são caçados para serem comidos.
Você deve achar absurdo o grau de estupidez destes macacos; afinal, basta largar a banana e ficar livre do destino de ir para a panela.
Fácil demais, não é?
O problema deve estar no valor exagerado que o macaco atribui à sua conquista. A banana já está ali, na sua mão. Parece ser uma insanidade largá-la e ir embora.
Achei a história engraçada, porque muitas vezes fazemos exatamente como esses macacos. Ou você não conhece ninguém que está insatisfeito com o emprego, mas permanece lá, mesmo sabendo que
está cultivando um infarto? Ou casais com relacionamentos completamente deteriorados que insistem em ficar sofrendo? Ou pessoas infelizes por causa de decisões antigas que continuam adiando um novo
caminho que trará de volta a alegria de viver? Somos ou não como os macacos?
A vida é preciosa demais para trocarmos por uma banana que, apesar de estar em nossa mão, pode nos levar direto à panela.
- Tem razão, escrevi exatamente o contrário do que ia tentar defender. Vivemos presos em falsas conquistas. Basta um pouco de bom senso para sairmos delas - confessei.
- Se o macaco tivesse uma visão de turista, largaria a banana na hora, pois, sabendo que o tempo de viagem é curto, sairia em busca de algo mais emocionante - declarou.
Levantei-me do banco e espreguicei-me.
- Bem, como somos turistas nesta praia, vamos aproveitar as boas coisas que ela oferece. Aceita um coco gelado? - sugeri.
- Ótima idéia. Depois faremos uma caminhada, enquanto o sol ainda não está muito forte.
- Negócio fechado. Vou comprar nossos cocos. Quer algo para comer? - perguntei.
- Não, obrigada.
Comprei dois cocos num quiosque próximo e voltei ao nosso banco. Entreguei um a ela e sentei-me ao seu lado.
- Você conhece a história do executivo que decidiu tirar uma semana de férias numa vila de pescadores? - ela perguntou.
- Acho que não. Conte - pedi.
- Ele gostava do mar e desejava sossego. Então, alugou uma modesta cabana numa vila de pescadores e partiu para lá com seu carro abarrotado de mantimentos. Uma semana sem fazer nada, longe do estresse diário, sem celular nem televisão, apenas vivendo no paraíso.
- Já estou gostando desta história - comentei.
- No primeiro dia, ele acordou bem cedo, pegou sua esteira, seu guarda-sol, passou protetor solar e foi à praia. Ainda estava arrumando suas coisas na areia quando viu seu vizinho pela primeira vez. Era um pescador local. Tinha a pele bronzeada, uma aparência saudável e, apesar dos cabelos brancos, um corpo jovial. O pescador colocou uma canoa na água, remou até passar a formação das ondas e jogou a rede. Ao puxá-la, vieram uns cinco ou seis peixes. Ele escolheu dois e devolveu os outros ao mar. Voltou com o barco, guardou os peixes e passou o resto do dia passeando pela praia.
Ela pôs o canudinho na boca e bebeu alguns goles da água do coco, deixando escapar um murmúrio de satisfação.
- No dia seguinte - prosseguiu - a mesma cena se repetiu. Curioso com a atitude de seu vizinho, o executivo não resistiu e abordou o pescador quando ele retornava da pescaria.
- Desculpe-me a intromissão, mas por que você joga a maioria dos peixes que pesca de volta ao mar? - perguntou o executivo.
- É porque eu só preciso de dois, um para o almoço e outro para o jantar - respondeu.
O executivo ficou inconformado com tamanha ignorância.
- Você está fazendo errado. Deve trazer todos, assim poderá vendê-los - recomendou.
- Para quê? - perguntou o pescador, surpreso.
- Porque com o dinheiro da venda você poderá comprar uma rede melhor e pegar ainda mais peixes.
- E o que eu faria com mais peixes?
- Ora essa! Vendendo mais peixes você poderá comprar um barco maior e pescar ainda mais peixes... Com o dinheiro da venda destes poderá comprar outro barco e contratar pessoas. Seus barcos poderão fazer pesca em alto-mar, e assim você ganhará mais e mais dinheiro.
- É mesmo?
- Claro! E quando você tiver bastante dinheiro não precisará mais
trabalhar. Já pensou? Se quiser, poderá ficar na praia o dia todo sem fazer nada - exclamou o executivo.
O pescador coçou a cabeça sem entender, olhou para o homem à sua frente e disse:
- Pois é, mas isso eu já faço pescando só dois peixes por dia.
A bruxa ficou em silêncio, esperando minha reação. Fiquei sem saber se deveria rir ou não.
- É uma piada? - perguntei.
- Apenas uma história de que me lembrei quando você foi buscar os cocos - respondeu.
- É, talvez as coisas sejam muito mais simples do que imaginamos - comentei.
Ela sorriu e olhou para o mar.
Enquanto permanecemos lá sentados, confesso que pensei em muitas bananas às quais estava agarrado e no excesso de peixes que estava carregando
sem necessidade.
Com certeza a vida seria muito mais simples se eu assumisse minha verdadeira condição de turista neste lindo planetinha azul.
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